Releio A História da Filosofia, de Will Durant - livro fascinante que integra a coleção Os Pensadores, da editora Nova Cultural. A obra é essencial para aqueles que sabem (ou pelo menos desconfiam) que filosofia é bem mais do que loquacidade empolada.
Ainda que me arrisque em destrinchar a complexidade de alguns dos principais autores do ramo, estou certo de que suas histórias pessoais são bem mais interessantes que suas cogitações.
É o caso de Schopenhauer. A narrativa de seus insucessos e dissabores, abordados no livro de Durant, me fez lembrar, por conta da releitura, uma senhora, mãe de quatro filhos, a quem um dia tive oportunidade de contar uma das passagens da vida do pensador alemão.
Filho de um comerciante de mau gênio, Arthur Schopenhauer tomou ao pai o caráter prático e a aspereza no trato interpessoal. Era um sujeito casmurro, portanto. A mãe apresentava pendores literários, e em sua época se tornou conhecida autora de romances.
Morto o comerciante, a viúva entregou-se a um estilo de vida "mundano", adotando ela o amor livre como conduta. Abriu também os salões de sua nova residência em Weimar, para aonde se mudou, aos intelectuais mais populares do início do século 19.
Jovem talentoso, Schopenhauer rivalizava com ela a propensão ao brilhantismo intelectual. Ao ponto de Goethe dizer dele que ainda seria um homem muito famoso. A resposta da Sra. Schopenhauer a essa observação não poderia descrever melhor o ódio que reinava entre os dois. Segundo ela, não havia na mesma família lugar para dois gênios.
O relacionamento de ambos se deteriorava de tal forma que, certo dia, durante uma discussão, a escritora empurrou o filho escada abaixo. Foi por essa ocasião que o filósofo disse, ríspido, que a mãe só seria lembrada pela posteridade graças à fama que ele haveria de granjear.
A moral da história é que por trás de muita filosofia de boa reputação pode haver deploráveis acontecimentos familiares. E que por trás de muita família de renome, nenhuma filosofia.
Essa passagem da vida de Schopenhauer eu narrei à senhora citada anteriormente. Ao mencionar que o pensador acertara em sua previsão, acrescentando que ninguém hoje sabe o nome da mãe dele ou é capaz de lembrar-lhe o título de uma única obra, vi pousar-lhe uma sombra sobre o rosto. E compreendi que a narrativa lhe havia ferido o orgulho maternal. Visivelmente incomodada, ela mudou de assunto, como se a predominância do gênio filial sobre a fama materna fosse um sacrilégio imperdoável.
Então senti um forte desejo (devidamente reprimido pela prudência) de acalmá-la com a observação de que, porquanto não fosse ela uma intelectual, menos ainda de renome, seus filhos estavam a salvo de ter o brilhantismo de um Arthur Schopenhauer.
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