Leia a íntegra do documento enviado pelo deputado federal Marcio Bittar à executiva nacional do PSDB, ano passado, cuja intenção era defenestrar do partido Tião Bocalom e seus principais apoiadores. Apesar de assinado pelo então presidente do diretório municipal, foi o próprio parlamentar quem ditou o texto.
O poder pelo poder
Como o PSDB do Acre se transformou em propriedade de um grupo político e os perigos que isso representa.
Não é de hoje que o PSDB local figura nas manchetes dos jornais como um partido eivado de discórdias e submetido à vontade de meia dúzia de pessoas. Um dos episódios que ilustram essa verdade foi a tentativa de expulsão de dois deputados estaduais, momento em que as entranhas tucanas e as razões financeiras da altercação acabaram expostas pela mídia.
Se por um lado os deputados Donald Fernandes e Luis Gonzaga não contribuíam segundo as regras estatutárias, por outro ficou evidenciado que o motivo do descontentamento da direção estadual era o desejo não atendido de indicar nomes para os cargos de liderança do PSDB na Assembleia. E se esta acusava os parlamentares de não ajudar financeiramente a campanha à prefeitura em 2008, esquecia de cobrar do vice de Bocalom, o então deputado N. Lima (DEM), que deixasse de anabolizar a candidatura do vereador Juracy Nogueira (PP), coligado com o PT.
Levado o caso da expulsão dos parlamentares ao conhecimento da Direção Nacional do PSDB, esta orientou que as partes transigissem, e o processo fosse extinto. Mas a direção regional ignorou a recomendação, seguiu com o processo e acabou derrotada em reunião convocada para expulsar os deputados.
As coligações do PSDB no Acre revelam os métodos autoritários da direção regional
Sob o pretexto de que apenas as eleições majoritárias interessam ao projeto político da oposição, o partido tem negligenciado a formação de chapas capazes de construir bancadas fortes nos parlamentos locais. Isso ocorreu nas três últimas eleições.
Os prejuízos advindos dessa concepção são evidentes. Em 2006, por exemplo, a candidatura ao governo de última hora obrigou a apresentação de uma chapa fantasiosa contendo nomes desconhecidos ou sem confirmação. Um dos resultados da composição raquítica foi a derrota, para deputada federal, da ex-prefeita do terceiro maior município do Estado, não obstante sua votação extraordinária. Toinha Vieira obteve votos suficientes para se eleger, mas acabou prejudicada pela legenda.
Em 2008, o PSDB voltou a mostrar debilidade ao eleger apenas um vereador na capital. E a falta de interesse em fortalecer o partido ficou ainda mais clara nas eleições de 2010, quando a direção regional optou pela pior aliança que podia ser feita. O PSL possuía três candidatos, dois dos quais deputados. Com isso o PSDB correu o risco de perder a representatividade do partido na Assembleia Legislativa.
Não fosse a força do nome de um candidato a deputado federal que obteve a segunda maior votação proporcional do Brasil, o PSDB continuaria sem eleger um único representante para a Câmara Federal.
Há outros aspectos dessa questão que também precisam ser explicitados. Um deles é o esforço visível do comando de campanha do PSDB para que Marcio Bittar não fosse o deputado federal mais votado da oposição, inclusive com o lançamento da esposa de Bocalom como candidata ao mesmo cargo. Ao final do pleito, ante a possibilidade de que Flaviano Melo (PMDB) poderia assumir a dianteira, ele se viu favorecido pelo comando da coligação.
No mais, a aliança na proporcional com o PMDB foi desnecessária e contrária ao desejo dos candidatos do partido. Fosse respeitada a vontade da maioria quanto à chapa própria para o PSDB, o partido contaria hoje com dois deputados federais.
De tudo isso fica a impressão de que não há interesse de criar novas lideranças ou fortalecer as já existentes a ponto de ameaçar o poder do grupo que domina o partido.
Ressalve-se que em nenhum desses momentos jamais o diretório regional foi chamado para deliberar.
As eleições para o Senado em 2010
A direção nacional manifestou o desejo de ter um senador eleito pelo Acre, e os porta-vozes desse anseio foram a senadora Marisa Serrano, o presidente da sigla, Sérgio Guerra, e o deputado federal Rodrigo de Castro, entre outros. O PSDB então fez no Estado uma pesquisa para saber quem estaria em condições de concorrer à vaga, e o nome de Marcio Bittar liderava, pela oposição, as intenções de voto. Mais uma vez, porém, Tião Bocalom, em nova afronta à direção nacional, fez uma reunião da qual participaram cinco pessoas. E elas chegaram a duas conclusões: 1ª) excluiriam o nome de Bittar do processo, e 2ª) indicariam Normando Sales para a missão. Na época, Sales dizia possuir seis milhões de reais para gastar na campanha, o que mais tarde se configuraria em mais uma de suas inúmeras fraudes. Nas prévias, Normando Sales acabou derrotado, cabendo a indicação ao ex-deputado federal Sérgio Barros. Emocionado, Sales lhe declarou apoio “incondicional”.
Duas semanas depois, em entrevista a uma emissora local, Normando Sales dizia que seu candidato ao Senado era Sérgio Petecão, do PMN, escolha respaldada pelos demais membros da executiva estadual. A razão dessa mudança seria explicada pelo próprio Sérgio Barros, segundo o qual Sales, acompanhado por Bocalom, o havia procurado para pedir dinheiro, supostamente para saldar dívidas da pré-campanha.
No final das contas, a executiva estadual jogou no lixo a possibilidade de ter um senador da República, optando por um candidato de quem se suspeitava que só seria aliado se José Serra ganhasse as eleições. Hoje, o senador Sérgio Petecão, do PMN, integra o bloco de apoio de Dilma após compor com o PMDB de Renan Calheiros e José Sarney – seus mais novos amigos no Senado Federal. Tudo isso com a complacência da direção regional tucana, cujos membros se beneficiam do mandato de Petecão. Essa situação acaba por subordinar o projeto político do PSDB para 2014 ao desejo pessoal do senador.
Os perigos que rondam a eleição majoritária do PSDB pelas pessoas que influenciam as decisões da executiva regional
Normando Sales é um sujeito conhecido no Acre não pelos méritos pessoais, mas pelas máculas auto-impingidas por sua conduta política. Em 2008, nas eleições de Feijó, enquanto todos se sacrificavam e a liderança nacional tucana fazia o possível para ajudar a tocar uma campanha modesta, ele foi acusado de sumir com dinheiro da coligação. Em 2010, o filho dele desfilava com o adesivo de um candidato a deputado federal do PT no carro – prova de que Sales, que representaria o PSDB na campanha ao Senado, não lidera sequer a família.
O prefeito de Feijó, Dindin, não esconde de ninguém que ele e Paulo Ximenes (outro aliado de Tião Bocalom) tentaram por diversas vezes achacar os cofres da prefeitura. O prefeito James Gomes, do PSDB de Senador Guiomard, dá depoimento parecido sobre os dois.
Ximenes trocou a oposição pelo PTB da base governista, tendo se ligado umbilicalmente a um candidato a deputado federal do PT. Participou ativamente da campanha de Tião Viana ao governo. Prossegue prestando serviços ao Estado. Lançou-se pré-candidato a prefeito de Tarauacá pelo PTB. E ainda assim tem livre acesso às informações do PSDB e à estrutura do partido, como computadores e telefone.
Frank Lima, o terceiro nome da confiança de Tião Bocalom e secretário-geral da executiva estadual, em plena campanha ao governo foi envolvido em escândalos de desvio de recursos da Adesg (Associação Desportiva de Senador Guiomard), fato amplamente explorado pela imprensa do Estado. Contra ele pesam ainda denúncias de que usa a sede do partido, no centro da Capital, como pousada e local para manter encontros amorosos.
Só têm acesso à prestação de contas da executiva regional os filiados que recorrem ao TRE. E o PSDB perdeu o tempo de televisão de 2011 porque seus dirigentes, aboletados há tantos anos nos cargos de direção, esqueceram de requisitá-lo.
Com a aproximação de mais uma eleição, recrudesce o clima de disputa e os sinais de desentendimento. Passa-se a ideia de que se vencer a chapa encabeçada pelo deputado Major Rocha, Bocalom será o candidato a prefeito; se vencermos nós, o candidato será Marcio Bittar.
Vale ressaltar, porém, que o atual diretório municipal continua abertamente favorável ao nome de Marcio Bittar para concorrer à Prefeitura de Rio Branco, como ficou acertado quando formulou o pedido para que ele integrasse o partido. E o que deveria ser uma recondução natural ao comando do diretório se transformou em atmosfera de beligerância com a troca de denúncias. Entre elas estão a fabricação de filiações de última hora, o sumiço de fichas de filiados decanos, e até a “distribuição” de cargos num futuro governo de Tião Bocalom (que tenta na justiça cassar o governador eleito do PT).
Não bastassem esses constrangimentos, o candidato escolhido por Tião Bocalom é deputado, líder do partido na Assembleia e membro da executiva regional, o que o incapacitaria para dirigir o diretório municipal.
E para “coroar” tudo isso, o diretório regional baixou uma resolução segundo a qual não poderiam votar os filiados que não figurassem numa lista enviada ao TRE, de onde foram suprimidos diversos nomes simpáticos a Marcio Bittar. Isso significa, por exemplo, cassar o direito dos que se filiaram no fim do ano passado, fato que recebeu ampla cobertura da imprensa local. E contraria deliberação do diretório municipal, cujo entendimento é de que todos os filiados há mais de um mês podem participar da escolha da chapa.
Considerações finais sobre o papel da Executiva Nacional do PSDB nesse imbróglio
Descrita em detalhes a conjuntura tumultuada em que se encontra o PSDB do Acre, se faz necessário acrescentar que a imprensa divulga a inclinação de Tião Bocalom de deixar o partido caso não se concretize a sua candidatura a prefeito. Ele já decidiu o que quer, independente do partido ao qual tenha que se filiar.
De um lado da disputa está alguém, portanto, que demonstra indisposição para acatar qualquer determinação contrária aos seus anseios; um ex-candidato a governador que tirou 49% dos votos na última eleição e conta com o apoio de um deputado estadual do partido. Do outro está Marcio Bittar, o primeiro deputado federal eleito pelo PSDB local e o mais votado do partido em todo o país em números proporcionais; que conta com o apoio da deputada Toinha Vieira, dos prefeitos do partido, do único vereador da capital e do primeiro suplente deste, além dos suplentes de deputado estadual da sigla e do ex-deputado federal Sérgio Barros. Marcio é também o único cuja provável candidatura a prefeito foi previamente chancelada pelas executivas estadual e municipal do DEM e do PPS.
O socorro da executiva nacional tucana é inevitável nesse caso e o julgamento final caberá aos seus membros.
Marcio Bittar tem defendido publicamente o diálogo e o entendimento. E ainda que ele entenda que na vida partidária se deve prescindir do uso da força política, está convencido de que neste caso a natureza da democracia requer decisões urgentes e enérgicas. Para que os tucanos não tenham que sangrar com as vísceras expostas, o caminho é a arbitragem imediata em favor de uma solução definitiva.
E em que pese o desejo manifesto ao longo dos anos de fazer-se prefeito da capital, Marcio Bittar coloca-se às ordens da executiva nacional tucana e antecipa o propósito, desde que sob condições razoáveis, de acatar-lhe as determinações.
Rio Branco, 21 de março de 2011.
Dr. José Wilson Mendes Leão
Presidente do diretório municipal do PSDB de Rio Branco