quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Sobre boquetes, parlamentares evangélicos e exageros conceituais

Existe uma grande diferença entre a verdade que se diz e o julgamento sobre quem diz uma verdade. Uma índole decrépita não torna menos precisa uma asserção justa, assim como um sujeito de reputação ilibada não confere maior valor às mentiras que porventura possa dizer. O filósofo Olavo de Carvalho, autor de O Imbecil Coletivo e o Jardim das Aflições, costuma observar que no Brasil, quando se trata de debater quaisquer assuntos, os “intelequituais” (como grafaria Millôr Fernandes) recorrem ao recurso de detratar os adversários quando se veem incapacitados para redarguir seus argumentos.

Os primeiros reflexos dos que reagem às condenações feitas aos eventos da Parada Gay são geralmente do tipo: “Quem são esses hipócritas para condenar o homossexualismo ou a Parada Gay?”. E o julgamento se acirra sobremaneira quando a condenação parte de um parlamentar, já que a classe política é sempre tão vilipendiada pelo senso comum – e até por quem, pelo discernimento que diz possuir, deveria ser menos genérico nos seus juízos.

Se na intimidade o autor da crítica ao que houve na Parada Gay é um promíscuo ou mau caráter, isso não invalida a condenação que ele faz a eventos flagrantemente ofensivos e criminosos, como o que se tornou o símbolo da passeata gay deste ano no Acre, protagonizado pelo cabeleireiro Carlos Duarte. Além do mais, quem julga a índole dos críticos à Parada Gay sem informações que justifiquem o julgamento, incorre no mesmo preconceito deletério de que se diz vítima por ser homossexual ou simpatizante da causa.

O artigo do meu colega Jaidesson Peres, publicado no blog do Altino com o título “Esqueçam o boquete, deputados”, tem algo de enviesado – pelo que se nega a debater – e muito de exagero conceitual. Explico: em exatas 592 palavras, o autor não deixa claro o que acha da “performance” do Sr. Duarte em plena via pública, mas parece usar o ataque aos deputados para discretamente sinalizar ao leitor que é a favor do despropósito. Também comete alguns exageros conceituais, ao invocar o período medieval para desqualificar o discurso evangélico, como a ignorar que o período medievo sofreu enorme influência da Igreja Católica, da qual os evangélicos são dissidentes por obra de Martinho Lutero.

Não é preciosismo de minha parte evocar esses detalhes, já que Voltaire estava coberto de razão ao dizer: “Se queres conversar comigo, defina seus termos”. Sem termos definidos e conceitos ajustados às exigências do debate, a refrega descamba para o sinuoso caminho do bate-boca vazio.

Jaidesson também argumenta que o “moralismo em pleno século 21 chega a ser inadmissível e cômico”, já que mulheres ganharam o direito de fumar e beber em público e a prostituição deixou de ser crime (ele não diz, mas em alguns países, como os Estados Unidos, continua sendo), e duas pessoas do mesmo sexo agora podem se beijar na televisão. Segundo o escriba, os valores mudam, os estereótipos caem por terra e a religião, “embora com força ainda, tende a perder influência”.

Como seu artigo antecedeu a decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar a marcha em favor da maconha, esse argumento não lhe entrou no rol das permissividades, das quais temo o paroxismo de precisarmos, quem sabe um dia, ter de enfrentar marchas favoráveis ao estupro ou à pedofilia, por exemplo. E tudo em nome da liberdade de expressão – a mesma que o jornalista diz defender quando se trata da passeata gay, mas parece desejar suprimir quando as opiniões contrárias são manifestas da tribuna da Assembleia Legislativa.

E antes que algum miolo-mole me venha dizer que estou a comparar homossexuais a pedófilos ou estupradores, quero lembrar que apenas aos idiotas é lícito tirar conclusões sobre o que não está escrito.

Jaidesson Peres, do alto dos seus 22 anos, ainda açoita a cultura dos deputados estaduais ao afirmar que eles desconhecem as leis brasileiras. Como ele também parece desconhecê-las, se faz necessário lembrar que o Código Penal Brasileiro (CPB), em seu artigo 233, diz que a prática de “ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público” é passível de detenção de três meses a um ano, ou multa.

O artigo 208 do CPB afirma ainda que quem “vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”, como ocorreu na Parada Gay com um hino evangélico, está sujeito a pena de detenção de um mês a um ano, ou multa.

Se há fundamentalismo religioso a rotular injustamente os adeptos das práticas homossexuais, alguns destes também incorrem no mesmo erro ao avaliar as motivações daqueles. Sidarta Gautama, o Buda, já dizia, seis séculos antes do nascimento de Cristo, que devemos trilhar o caminho do meio. Ele se referia ao equilíbrio de que precisamos para não incorrer nos extremos que nos levam à dor e ao sofrimento.

Isso se aplica a tudo na vida. Mas, principalmente, ao que fazemos em público.

6 comentários:

  1. Houve exagero e as imagens perpetradas pelo cabeleireiro supra-citado não ajudam em nada à causa do homossexuais, que querem respeito para sua condição. E a provocação desnecessária às crenças dos outros apenas acirra o debate, sem levar a uma coexistência pacífica entre diferentes pontos de vista.

    Fico com Gautama e o caminho do meio

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  2. E quem deveria aplicar os arts.208 e 233? por que não o fez ?

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  3. Muito bom o texto colega Arquibaldo.
    abç

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  4. Vc foi correto em suas afirmaçoes. Realmente são intolerantes e escrupulosos. Direitos de expressar seus pontos de vista com relação ao que pode ou nao, só eles tem.

    querem estar acima da lei e infelizmente nossos politicos acabam calando-se.

    Quando estiver errado, vamos dizer que tar, não importa que ou que seja.
    Abaços.
    Adiciona meu amigo. jordaoagora.blogsport.com

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  5. VAMOS RESPEITAR O OUTRO, VAMOS?27 de dezembro de 2011 às 11:45

    TODO SER HUMANO TEM DIREITO A VIVER SUA SEXUALIDADE SEM NEURAS, O CARA QUE SE DEIXOU FOTOGRAFAR NAQUELE ATO VEXATÓRIO NÃO PODE SER A MEDIDA PARA TODOS OS OUTROS HOMOSSEXUAIS, SERIA 0 MESMO QUE DIZER QUE TODO NEGRO É MARGINAL, TODA MULHER É VADIA E POR AÍ VAI... ALIMENTAR PRECONCEITOS É PERIGOSO. O CARA AGIU ERRADO, OK, MAS GAYS E LÉSBICAS TEM DIREITO A VISIBILIDADE, NÃO SE PODE FINGIR QUE ELES NÃO EXISTEM OU VARRÊ-LOS P/ BAIXO DO TAPETE, DO CONTRÁRIO SERÍAMOS HIPÓCRITAS. O ESTADO É LAICO DE ACORDO COM CONSTITUIÇÃO, LOGO IGREJAS FUNDADAS POR PECADORES DA IGUALHA DE PADRES E PASTORES (POIS SE NÃO PECAM EM AÇÕES, MAS PECAM EM JUÍZO, E DE QUALQUER FORMA, PORTANTO, ENTRETANTO, TODAVIA, TAMBÉM PECADORES COMO QUALQUER UM DE NÓS) NÃO DEVEM DAR PITACO EM LEIS E DIRETOS INALIENÁVEIS. FALTA MESMO É INFORMAÇÃO: A PSICOLOGIA RETIROU O ANTIQUÍSSIMO TERMO HOMOSSEXUALISMO (CUJO SUFIXO 'ISMO' IMPLICA ENFERMIDADE E NÃO É MAIS USADO. DESDE ENTÃO USA-SE HOMOSSEXUALIDADE) DA CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS PSÍQUICAS DESDE 1973, LOGO SE NÃO É DOENÇA, NÃO PODE SER "CURADO" SUGEREM OS PASTORECOS CAÇA-DÍZIMOS DE PLANTÃO. GAYS E LÉSBICAS NÃO PODEM MUDAR O QUE SENTEM, JÁ NÃO BASTA O BULLYING QUE SOFREM DESDE INFÂNCIA, OS INSULTOS QUE OUVEM DE FAMILIARES, A IMPOSSIBILIDADE DE UM DIA TEREM SEUS FILHOS COMO OS CASAIS HETEROSSEXUAIS, A AUSÊNCIA DE LEIS QUE CRIMINALIZEM AS AGRESSÕES SEGUIDAS DE MORTE QUE SOFREM DIOTURNAMENTE NO BRASIL INTEIRO, AINDA VEM ESSE PESSOAL JOGAR PEDRA, LEMBREM-SE QUE UMA VEZ QUE SE TEM FILHOS, NINGUÉM ESTÁ LIVRE DE TER UM GAY OU LÉSBICA EM CASA, PORTANTO VAMOS MANTER AS COISAS NUM PATAMAR HUMANITÁRIO, SEJA NO ACRE OU QUALQUER LUGAR DO PLANETA. DIREITOS PRA TODOS.

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