Por Ademir Pedrosa
Texto irretocável, sua crônica (A lição que vem do outro lado) tem a pujança de sua aldeia – que se quer universal. Conheci o seu avô. Era um velho senhor taciturno, e vivia ensimesmado com sua pequena horta em volta da casa; mal falava português, um bom-dia já lhe soava um discurso desmedido – ele me parecia um lacônico haicai.
Talvez por influência do avô, Archibaldo decidiu ir para o Japão. Eu cismava que o japinha via no avô um paradigma, como se constituísse um desafio de além-mar. Deve ter pensado: ora, se o vô veio até aqui, por que eu não posso ir até lá? E foi.
De avião, levou 24 horas para chegar à Terra do Sol Nascente, tenuíssimo tempo se comparado com os 60 dias que o navio do avô singrou os mares para chegar até aqui. E foi egoísta por não perceber que deixara aqui uma lacuna fria e oca, em reticências. Deu as costas às divagações literárias que discutíamos aqui e ali, e eventualmente numa mesa de bar. Senti sua ausência.
Quando regressou do oriente integrou-se ao Conselho de Cultura do Estado do Amapá – órgão que eu presidia. Foi breve o período que exercemos naquela casa de cultura. Fomos vítimas dum golpe bem-sucedido conspirado por um grupo de petralhas. Ali, ao que parece, sua sina se iniciara. O Conselho de Cultura sucumbiu, e não ficou oca sobre oca em nossa aldeia – nossa literatura foi soterrada pelos escombros da mediocridade, e fomos reduzidos a pó, a esterquilínio.
Foi depois desse estádio conturbado que Archibaldo escolheu o Acre como abrigo. E eu fiquei aqui. Só – cercado de mediocridade literária por todos os lados. Entregamos o Governo pros petralhas; eles, por vaidade, se acharam melhores que o Capi, e deu no que deu. Amargamos oito anos de mazelas. Resistimos com força hercúlea às tentações fáceis e às retaliações severas, e demos a volta por cima. Navegamos de volta para o futuro – de onde nunca deveríamos ter saído.
Reconquistamos o governo e o orgulho de amar nosso estado, ainda que o governo pretérito tenha sido um tsunami – sucateou o estado e feriu gravemente a auto-estima do povo amapaense. Enquanto no Japão milhares de pessoas foram soterradas pelos destroços, aqui 57 crianças, no ano passado, jaziam nos leitos dos berçários da maternidade por falta de oxigênio. Pasme!, 57 bebês sentenciados por um Herodes que via as mortes como uma normalidade hospitalar – Santo Deus!
Eu recordo que foi o Archibaldo que me apresentou ao garoto Camilo, filho do Capi. Eram estudantes contemporâneos e Camilo era conhecido como rato de biblioteca, por sua ganância de devorar livros. Tinha vaga no nosso time, especialmente por ser um bom leitor. A literatura é ávida de bons leitores.
Hoje Camilo Capiberibe é Governador do Estado do Amapá – aleluia! Não sei, não. Mas se o Archibaldo quiser regressar, o Acre será desfalcado de um craque da literatura universal. Amazônia dos Brabos, romance de sua autoria, emparelha em qualquer estante com Galvez, o Imperador do Acre e Mad Maria, de Márcio Sousa.
Sinto orgulho de ter dividido com Archibaldo um pouco desse universo literário – eu era a corda e ele era a caçamba. Nossas reuniões etílicas e literárias quase sempre acabavam numa mesa de bilhar. E aí em que residia a grande diferença entre mim e ele.
Archibaldo era freguês. Minha tacada tinha a precisão de um verbo, e o tiro inexorável de um ponto final. Cada enxadada era uma minhoca. Cansei de ganhar de “buchuda” (partida em que o adversário não consegue encaçapar uma bolinha sequer), numa demonstração impiedosa de que eu era melhor que ele – tiranicamente superior.
Se o Archibaldo quiser voltar pro Amapá, seja bem-vindo. Devo adverti-lo, porém, que aqui está eivado de petralhas, e que estão parcialmente no poder. Ah!, quem de vez em quando dá as caras por aqui é o escritor José Sarney, senador do Amapá e presidente do Senado. Agora, experimenta me botar numa mesa de bilhar com o maranhense – e deixa o resto comigo...
Meu comentário: Ademir Pedrosa é um dos grandes poetas vivos que conheço. O outro é Thiago de Mello (que aliás conhecemos juntos em Boa Vista, Roraima, em um encontro de escritores, em 1995 ou 96). Ademir foi a mais grata e saudável influência de que necessitava para consolidar-me a verve literária. E ele não me ensinou apenas a ler os bons autores, como me instruiu a detectar os medíocres, dos quais logo me apartei. Mais do que de literatura, falávamos da vida. Mas essa não se compraz com teorias. Quanto à memória, ela embota-se com o tempo e acaba por nos induzir a erros. O de Ademir é se vangloriar por sempre ter vencido na sinuca...
Caro Archibaldo, bom dia!
ResponderExcluirConheço o Ademir Pedrosa e posso dizer que lhe tenho um enorme carinho.
Por diversas vezes o encontrei em Macapaixão!
E digo na bucha: Ademir é o cara, véio!!
Um abração!!!
Sergio Souto
Sérgio Souto é parente, mano – como diz o cara-parda Eliakim Rufino. Quem me apresentou ao poeta aqui em Macapá foi o jornalista Élson Martins, na época da Folha. Participamos do Festival do Sesc, e Sérgio Souto foi o vencedor, com a música Toque de Midas, em parceria com Joãozinho Gomes. Archibaldo, taí o meu reconhecimento por alguém ganhar de mim dentro do meu galinheiro. Agora, na sinuca eu não perco pra ti, pro Sérgio Souto, nem pro Senador Sarney. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK. Desculpa. Eu jurei que jamais eu usaria essa onomatopéia ridícula para expressar o meu riso. Não resisti, a risada incoercível me escapou num arroubo inconseqüente, paciência. E chau!, antes de eu me espocar outra vez de rir...
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