sábado, 15 de janeiro de 2011

Em nome dos pais

Um amigo teve a idéia de colocar na filha o nome de Maria.

– Mais original não há – nos disse, e imaginamos que estivesse variando das idéias. – Pois não conheço nenhuma.

Como não havia de conhecer se existiam tantas e outras muitas nesta terra de Jesus Cristo – cuja mãe, lembramos, também se chamou Maria? São tantas as Marias que fomos ao dicionário encontrar 47 palavras formadas a partir desse nome próprio – entre eles maria-macanguê, maria-já-é-dia e o conhecido maria-vai-com-as-outras.

– Bem, pode haver muitas – disse ele, impassível. – Mas que preferem se chamar Ana, ou Tereza, Nazaré. E, portanto, nenhuma delas é Maria.

Sendo assim, pensei, talvez ele tivesse razão, uma vez que conhecia uma Maria do Socorro que nem Socorro era, pois gostava que lhe chamassem Help. E sabia de uma Carolina que na certidão também era Maria, mas que fazia questão de ser Carol. E ainda uma Maria de Fátima, que era apenas Fátima, porque Maria não era nunca.

O amigo então nos explicou que a filha era uma exceção à regra atual de se colocar nos bebês nomes estrangeiros. Pois há, prosseguiu ele, quem se chame Michael, Richardson, Patrick, Desirè, Kate.

– Não tem coisa mais absurda do que uma Desirè Pereira ou um Richardson da Silva – afirmou, galhofeiro. – E nada mais bonito do que uma Maria.

Lembrei de ter ouvido falar de uma lei que resguarda os bebês de receberem dos pais nomes extravagantes. Se o nome de batismo vai causar constrangimentos futuros, o funcionário do cartório pode se negar a fazer o registro da criança. Um exemplo? Pheyndews.

– Mas por que o senhor quer registrar o seu filho assim? – quer saber o tabelião.

– Simples – responde o pai. – Porque tenho fé em Deus que ele vai ser alguém na vida.

Os piores nomes me parecem os que nascem do cruzamento de outros dois, geralmente do pai e da mãe do infeliz. Conheci um Francirino, filho de dona Francisca e do seu Catarino. Tinha também a Ismadete, cujos pais eram o Ismael sapateiro e a dona Odete do vatapá.

A Ismadete era uma menina mirrada, que dizia o nome num fio de voz, como se tivesse vergonha dele. Nos tornamos bons amigos, talvez porque no fundo eu soubesse como ela se sentia nessas ocasiões.

Pois quando iniciava o ano letivo e o professor fazia a chamada, eu afundava na carteira escolar. Tímido e mirrado como minha amiga, sofria horrores à espera daquele momento em que precisaria explicar ao mestre, sob o olhar de todo mundo, que não era Archibaldo, mas Ar-qui-bal-do.

O trauma deixado por situações como essa me fazem imediatamente perguntar como será o nome da criança sempre que me deparo com a gravidez de uma conhecida. Se ela me diz, por exemplo, que será Joana, sorrio aliviado. Mas armo a carranca se responde algo como “Stephany”.

Foi isso que fez o funcionário do cartório quando ouviu do casal como seria o nome da recém-nascida. Antes sorridente e solícito, ele contraiu o rosto e espalmou as mãos sobre a madeira da mesa.

– Com esse nome eu não faço a certidão – disse casmurro.

O pai ainda tentou argumentar, auxiliado pela mulher, que trouxera a pequena nos braços. Mas o sujeito ficou lá, firme como um general.

A intransigência do funcionário gerou um pequeno tumulto que logo chamou a atenção de todos no cartório. O homem acabou por esmurrar a mesa e aquilo assustou a criança, que se pôs a chorar. A mulher, aos gritos, culpou o tabelião pelo choro da filha. E ambos saíram dali afirmando que processariam o estabelecimento.

Quando chegou a minha vez expliquei que queria registrar a pequena Clara – e o funcionário sorriu, já recomposto.

– Veja o senhor como as pessoas põem nos filhos os nomes mais esdrúxulos e abomináveis – disse ele, se referindo ao casal que havia saído.

Olhei no seu crachá e vi que se chamava Ermenegildo. Então compreendi.

Um comentário:

  1. Pois é, Archibaldo, eu também entendo que mais do que imoral, o recebimento da tal "aposentadoria" também seja ilegal, conforme entendimento do STF.

    Acontece que a decisão da nossa Corte Maior não tem, necessariamente, força de Lei, não vinculando automaticamente seus efeitos aos outros estados, prescindindo, pois, da ação de pretensos interessados - os quais, como você bem colocou, não "estão nem aí". OAB e MP no Acre parecem mais um braço do governo do que instituições efetivamente autônomas e independentes, infelizmente para nós.

    Pra piorar tudo, tem a Constituição Estadual, que no Brasil, diferente dos EUA, serve só para complicar, burocratizar e dificultar ainda mais as coisas.

    É, meu amigo... Tempos sombrios esses.

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