Cidadãos ou "cidadões"? Em post abaixo condenei esta última forma, utilizada pelo prefeito Raimundo Angelim em discurso, e pela assessoria de imprensa da prefeitura de Rio Branco no site da instituição. Bolo no forno, a massa cresceu. Armou-se um debate entre três leitores do blog. De um lado o jornalista Josafá Bastista, favorável à flexão "cidadões". Do outro, Cleomilton Filho e Karapovski, tão avessos à ela quanto eu.
O debate vai ficando melhor a cada dia. As partes não se rendem, e a questão extrapolou a gramática. Nesse meio tempo, segundo Josafá, os çábios do alcaide Angelim desfizeram a incorreção. Menos pior para o blog, que vai provando alguma utilidade.
Destaco aqui a resposta de Cleomilton Filho ao meu colega Josafá. E queria contestar os argumentos deste último por ele recorrer ao conceito da Linguística para defender incorreções perpetradas por escribas de quinta categoria. A disciplina é "o estudo científico da linguagem verbal humana", e por isso admite as formas coloquiais. Mas isso nada tem a ver com a escrita, que continua a se reger por regras bem definidas e necessárias, como afirma aí abaixo o Cleomilton Filho.
Vamos então à excelente resposta que ele deu ao Josafá.
"Caro Josafá,
Já entendemos que, segundo sua colocação, a forma “cidadões” é usada desde o século XV, ok. Mas, por favor, não misture as coisas, não somos tolos.
Um leitor mais desatento é facilmente envolvido por suas digressões.
Possivelmente o uso constante e maciço de uma palavra poderá modificá-la. Foi o que aconteceu com os exemplos que você deu. Caso muito diferente dos estrangeirismos, que você citou, que foram incorporados ao português. Primeiro, porque se percebe hoje uma verdadeira resistência em se “aportuguesar” estas palavras de origem estrangeira, o “black-out”, o “soutien”, o “shopping”, o “jeans”, a “internet”, o “marketing”, o “réveillon”, o “design”, o “shampoo”, e mais uma infinidade de palavras que eu poderia ficar aqui citando, continuam sendo grafadas em suas formas originais. Aí, sim, é possível se observar que uma língua é rica e viva: pela capacidade que ela tem de se atualizar e tornar-se, cada vez mais, global e aberta.
Os argumentos do Josafá são piores do que o do “purista” Aldo Rebelo (PCdoB), pois defendem a inserção de palavras sabidamente incorretas ao português, sob o ardiloso fundamento esquerdista do “caráter social da transformação gramatical...” e toda essa retórica vazia. O que há de mais deplorável nos marxistas é que eles vêem marxismo em qualquer coisa, o conflito de poderes está presente em tudo, o opressor (normas gramaticais formais) e o oprimido “coitadinho/vítima” (o indivíduo que não fala ou escreve corretamente). É a visão do materialismo dialético aplicável erga omnes e ad eternum em qualquer ramo do conhecimento.
O certo é que “cidadões” ainda não é reconhecido pela norma culta. Se o Houaiss considera tal grafia correta, pratica uma exceção única. Tratando-se de gramática, jamais devemos nos guiar por exceções, mas pelo que é pacificamente entendido pela maioria dos linguistas e especialistas, isto é, pelo plural “cidadãos”. Não é o caso de discutir as “relações de poder” e o blábláblá advindos dessa discussão. Esse relativismo me incomoda sobremaneira.
O certo é que sempre precisaremos de normas, sejam elas de cunho gramatical ou social, e isso não é simplesmente o resultado da imposição do “forte” ao “fraco”, mas sim o pressuposto para a harmonia, convivência e uniformização – três fatores indispensáveis à coexistência de indivíduos numa sociedade.
Incontestável é que quem escreve e fala corretamente leu bastante. E se leu muito, tem conhecimento de causa sobre o assunto que se propõe a discutir.
Infelizmente, a correição gramatical é inexistente, por exemplo, em blogs como o da UJS de Cruzeiro do Sul ou no discurso de muitos pares do Josafá - “construtores sociais” da utópica realidade socialista “futura”. Por isso acredito que ele se doeu tanto com os “cidadões” companheiros.
Quem escreve ou fala errado não lê, e quem não lê, convenhamos, não sabe muita coisa além das experiências práticas de sua vivência. Se, como Josafá afirmou, “cidadões” é utilizado desde o séc. XV e até hoje não foi absorvido pela norma culta da língua pátria, nem soa comum à grande parte da sociedade bem educada, parece-me que não é preciso fazer muito esforço pra concluir que é uma grafia indevida.
Um veículo de comunicação oficial tem obrigação de escrever corretamente, atentando-se à boa escrita, às regras gramaticais e à comunicação clara e objetiva. “Cidadões” é imperdoável.
Eu não concordo com 110% do que o Josafá fala e defende, no entanto, respeito-o por ele ser um cara diferenciado ao buscar fundamentar seus posicionamentos (das formas mais esdrúxulas, é verdade), diferente de todos os marxistas que conheço, os quais têm somente um conhecimento superficial de quase tudo. Não obstante, os fundamentos para seus argumentos são completamente equivocados e frágeis".
Por fim, a questão de “cidadões”. Temos aí outro argumento equivocado. O Dicionário Houaiss não traz a expressão “cidadões” como o plural de “cidadão” em nossa época. Logo, não há exceção a regra alguma. O que o dicionário faz, como eu argumentei logo no início, é registrar que esta forma de plural subsistia no Brasil durante o século XV, isto é, no Brasil Colônia, juntamente com outro conjunto de palavras ligadas à dinâmica da vida social da época, por sua vez relacionadas ao conjunto lingüístico de Portugal.
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A forma “cidadões”, portanto, não é estranha para a língua portuguesa, nem no Brasil nem em Portugal, e se não é reconhecida pela norma culta de HOJE isto deve-se a um hiato entre a utilização social do vocábulo e o seu registro na norma gramatical em vigor hoje (e suponho que é esse hiato que o Aldo Rebelo pretende corrigir).
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Por que é um hiato? É um hiato porque a utilização social desse vocábulo existe atualmente, como demonstrou claramente o professor Claudio Duarte, doutor em Letras e autor de vários livros, inclusive gramáticas.
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Assim sendo, seu argumento sobre exceções e regra, e como devemos preferir regras a exceções, não só está completamente fora do debate como é um argumento, digamos, “peculiar”, se levarmos em consideração (e você mesmo admite) que palavras podem ser transformadas pelo uso...
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No mais, devo finalizar argumentando que a idéia de que sempre precisaremos de normas, sendo estas normas ditadas por algum ser superior, é facilmente constatável ao longo da história como a história da subserviência. Especialmente em um tema em que a primazia do debate é de fato – e você, repito, reconhece – da utilização social, que a norma, a seguir, registra.
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Desta forma, não há aqui “relações de poder e o blábláblá advindos desta discussão”, mas tendo sido você mesmo o flagrante personagem principal de tal tragicomédia, suponho que a questão resta resolvida até em seus pormenores filosóficos. É que, historicamente (e qualquer exame o prova, não é preciso ler muito), a preocupação com o relativismo sempre foi a acusação fundamental da concepção única, eterna e infalível da Verdade, nos seus mais diversos detentores.
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E se, no esforço para banir da vida social o perigo da reflexão crítica, da análise acurada, o expediente utilizado era apontar o potencial de perdição do argumento desconhecido, evidentemente temos um problema de exercício de poder por meio de uma Norma.
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E se normas podem servir a interesses de poder, resta então prejudicada toda a sua argumentação.
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Espero que entendam o que escrevi. Se não entenderem, por favor, releiam.
Cleomilton,
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Como meu objetivo, desde o começo, não é rotular ninguém para aí sim relativizar a sua argumentação, e sim esclarecer a questão do vocábulo posto pelo Archibaldo como o sintoma de um fenômeno social, vou direto aos fatos.
Primeiro, várias dessas palavras que você citou no seu terceiro parágrafo já estão devidamente aportuguesadas (caso de sutiã, blecaute, xampu e agora, internete). Isso indica um fato curioso: não só essa “resistência” que você citou não existe, como você evidenciou que está colhendo argumentos ao léu para apoiar a sua tese da marxização argumentativa e assim vencer o debate por uma manobra curiosa conhecida como Argumentum ad hominem.
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Inobstante essa questão, a definição de qualquer dicionário para “estrangeirismo” é precisamente a existência de vocábulos em língua estrangeira, isto é, sem tradução, no nosso idioma pátrio. Logo, a “verdadeira resistência – falsa resistência, pelo argumento acima demonstrado – em aportuguesar palavras de origem estrangeira” é simplesmente desconhecimento do caráter de estrangeirismo como um vício de linguagem (o que é perfeitamente plausível se considerarmos a sintomatologia social por mim argüida).
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Mas sintomatiza ainda algo mais: que você sequer conhece o conceito de “estrangeirismo”, apresentando-o, ao invés de um vício de linguagem, como uma demonstração de que “é possível se observar que uma língua é rica e viva: pela capacidade que ela tem de se atualizar e tornar-se, cada vez mais, global e aberta”.
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É evidente que esta argumentação faz todo o sentido, mas não quando a questão é a existência de vocábulos estrangeiros no idioma pátrio. Você deve ter visto tais questões no Ensino Fundamental, suponho que tenha esquecido.
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O restante da sua argumentação deriva-se daí. Ao tentar apresentar o estrangeirismo como algum tipo de demonstração da democracia lingüística, você tenta, no caminho, estabelecer que o argumento da transformação social da língua é um “fundamento esquerdista”. Ora, se não há língua se não houver falantes, se o idioma é falado por todos e se você mesmo, no começo do texto, admite que o uso pode transformar “algumas” palavras, então qual é o fundamento esquerdizante, ou, como dizem os anticomunistas, “esquerdopata”, do argumento?
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Suponho – e não passa disso, uma suposição – que o Aldo Rebelo está defendendo que sejam integradas à Norma Gramatical Brasileira (NGB) palavras cujo consenso social, cuja construção coletiva, já consagrou como formas válidas de comunicação. Se for isso, não há nada de ardiloso e muito menos de deplorável.
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Suspeito, aliás, que “ardiloso” e “deplorável” seria considerar essa iniciativa, muito válida lingüística, social e até economicamente, seja considerada “retórica vazia”. Não, vazio e até pouco retórico é exatamente usar esse argumento para designar o projeto!
Eu acho que cidadões, apesar de soar horrivelmente mal, ainda soa melhor que "companheiros e companheiras".
ResponderExcluirUm abraço,
o blog tá ótimo.
Archibaldo,
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Primeiro, obrigado pelo espaço. Na verdade, toda minha contestação nesse episódio diz respeito exatamente ao processo de encartilhamento da dinâmica da língua, que se dá obviamente pelo meio impresso. Não é por acaso que a forma culta da língua – isso em cada época, não somente hoje – sempre é dada pela forma escrita, o que evidencia ou sinaliza a ausência do controle da produção de formas escritas pelo próprio corpo social, que a despeito disso assim continua se comunicando e modificando a língua (até que no futuro venha outra norma culta, assimilando tais mudanças e assim per secula seculorum).
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De acordo com o prof. Paulo Hernandes – www.paulohernandes.pro.br – “norma culta nada mais é do que a modalidade lingüística escolhida pela elite de uma sociedade como modelo de comunicação verbal. É a língua das pessoas escolarizadas”. Ou seja, norma culta é exatamente o que o Cleomilton vem defendendo: a exclusividade de um grupo de pessoas (não por serem más ou opressoras, mas por terem a propriedade dos meios de produção de impressos normativos) para estabelecer o que o restante, na verdade a maioria da sociedade, deve seguir e obedecer – porque é a L-E-I.
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Evidentemente, como essa normatização não tem o poder de controlar toda a língua a não ser de maneira formal e provisória, e os falantes continuam alterando os vocábulos já que precisam se comunicar. Vem daí o impasse entre forma culta e forma coloquial. Vide os exemplos de todas as palavras que já citei, as vogais dobradas, o acento grave (lembra disso?), o ph, o mn e vários outros detalhes: o uso de palavras sem esses curiosos adendos (que devem-se a questões de natureza etimológica) já foram consideradas ERRO pelos rábulas e sábios de outrora. No entanto, hoje, tornaram-se elas mesmas parte da norma culta que tais sábios criaram ao longo das reformas de 1911, 1943, 1973 etc.
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E hoje, tanto tempo depois, estamos hoje a travar a exata discussão dos rábulas da língua! Ora, nossa discussão e mesmo a NGB poderão alterar um milímetro da construção social da língua? Não. Nem impedirá que a forma impressa continue assimilando (ou registrando) as alterações vocabulares que o uso constrói. E o uso se dá pela linguagem verbal, não-impressa. O impresso, a normatizado, seguirá registrando o consenso social, como sempre fez.
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Aliás, a simples discrepância entre normatizado (impresso) e vocabular (falado) já é sintomática desse exato processo: a apropriação da norma culta por um grupo reduzido, em detrimento da extraordinária massa de falantes que o idioma possui, e que se comunicam de várias formas ao longo do dia.
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Como você vê, minha questão não se relaciona diretamente com o que escreveu o povo da Assessoria de Comunicação da Prefeitura, até porque não conheço o autor do texto. Minha contestação é à ausência de percepção do caráter histórico do consenso gramatical que impõe “cidadões”, e à reivindicação esbravejante (já devidamente assimilada pela prefeitura, cujos assessores esqueceram de agradecê-lo) de um consenso histórico como norma sem reflexão crítica sobre a origem desta norma. É isto, é este mecanismo, que faz da norma (uma norma histórica) um argumento de poder.
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No mais, deixo aqui, para você e seus leitores, a dica de um livro que aborda precisamente esta questão em todos os seus pormenores. Trata-se de “Preconceito lingüístico: o que é, como se faz”. O autor é Marcos de Araújo Bagno, professor do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília, doutor em filologia e língua portuguesa pela Universidade de São Paulo, tradutor, escritor com diversos prêmios e mais de 30 títulos publicados, entre literatura e obras técnico-didáticas.
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O link para baixar o livro (ou lê-lo no site) é: http://www.scribd.com/doc/6313101/PRECONCEITO-LINGUISTICO-Marcos-Bagno
Blogueiros,Eu Tô Adorando o Debate...Pelo Simples Fato de Que,'Outros' estão Atentos!!!
ResponderExcluirTem Algo Mais Salutar do Que A Liberdade de
Expressão Virtual Para 'Escapar' da Mesmice?
Arki,Parabéns Renovado! Adoooreeeiii...
Joana D'Arc Valente Santana,Eu Sou
Josafá, ainda estou de beicinho por conta da sua represália, logo eu, um balzaquiano tão varonil e bem-apessoado me comportando como uma mocinha histérica e ridícula...rsrsrs... Colocando as coisas assim tão a ferro e fogo e, o pior, EM CAIXA ALTA (!!!). Deste jeito como poderei exigir respeito dos demais do alto de minha cátedra! Nunca mais vou bulir com uma sumidade como você, mas a crítica não é política jamais, é só uma observaçãozinha de 'pensador' das palavras para 'redator' das palavras. Não temas o chicote da gramática em tua consciência, ó ressentido preceptor, pois ainda assim 'cidadãos' é o correto, tal como a Rainha Malvada ouvia do espelho que ainda assim Branca de Neve era a mais bela e estava viva, vivíssima!!
ResponderExcluirDizem os entendidos na internet que as duas inflexões estão corretas, mas, acho mesmo é que foi apenas um jogo de "seguir o chefe" do pessoal da Prefeitura. Lula fala assim. Pela "curtura" dele acho que vou continuar a falar "cidadãos"!
ResponderExcluirFala-se em "erro", faz-se um circulóquio da palavra através do tempo: "cidadão", "cidadões"; porém a discussão cai na mesma banalidade: confunde-se erro ortográfico com "cultura", ou pior, recorre-se a velha idiotice de cultura popular e erudita. Fosse assim que crédito daríamos a quem escreve um livro cujo título é "Amazônia dos brabos". Ai, que graça. O autor do "livro", por certo não tem cultura? A sua incongruência vocabular é algo a se lamentar? kkkkkk...
ResponderExcluirAnônimo das 10:01:
ResponderExcluirLamento que vc fale do que não conhece. E sinto que misture dois assuntos tão distintos apenas para me provocar. Mas saiba que gente da sua laia me diverte. Nada mais.