segunda-feira, 11 de abril de 2011

A lição que vem do outro lado


Sou neto de japoneses. Minha avó era de Hiroshima, e teve a sorte de sair de lá antes que os americanos despejassem sobre a cidade uma bomba atômica. Ela conheceu meu avô no navio Buenos Aires, quando este singrava o Pacífico para muito mais tarde atracar no porto de Santos. Foram mais de dois meses de viagem rumo a um país do qual não conheciam a língua nem os costumes. Trabalhadores agrícolas, eles experimentaram a discriminação racial, o trabalho duro nas lavouras de café e a decepção de ver que as promessas de receber um pedaço de terra não passara de propaganda enganosa.

Na década de 70, meus pais decidiram trocar o interior paulista pelo Amapá, onde cresci. E a mudança me privou da companhia dos meus avós, com os quais poderia ter aprendido muito sobre abnegação, paciência e equilíbrio interior. Meu avô era quitandeiro, e não passou disso. Mas para mim ele era o dono de uma portentosa balança que determinava quanto os clientes teriam de pagar pelas frutas e verduras que levavam na sacola.

Morta a esposa, meu avô foi morar com a família de minha mãe no Amapá, onde morreu. Estava lúcido ainda quando a morte lhe veio bater à porta, e ele, budista que era, sem demonstrar uma única sombra de medo, despediu-se de todos para fazer a sua viagem definitiva. Dias depois, de fato, ele nos deixou.

Sanae Kitazono ainda estava vivo quando, em setembro de 1994, eu fui morar no Japão. Passei apenas nove meses lá, o suficiente para ter nascido de novo. As cores, pessoas e lugares que vi, os sabores que experimentei, os cheiros que senti e as lições que guardei foram decisivos ao aprimoramento de um jovem de 22 anos que saíra de casa em busca de dólares e voltou com a bagagem cheia de boas lições sobre paciência, disciplina, humildade, empenho, coragem, lealdade. Em maior ou menor grau, com maior ou menor proveito, entronizei esse aprendizado na tentativa de aplacar um espírito indomável em suas tribulações. A vida é um processo, e no meu caso ele seria ainda mais tortuoso não fosse o que vivi do outro lado do planeta.

A recente catástrofe que abalou o Japão e já empilhou quase 13 mil corpos sob e sobre os escombros do terremoto nos mostra a todos o espírito guerreiro dos japoneses. Eles tentam não sucumbir à desgraça das perdas e prosseguir com a disciplina de uma vida marcada por danos imensuráveis. E enquanto muitos de nós se encarregam de achar explicações as mais estapafúrdias para a desgraça que se abateu sobre o país, eles nos dão mais uma lição sobre a inexorável necessidade de que a vida siga em frente - não importa a dimensão do revés que vez por outra tenta nos paralisar.

7 comentários:

  1. Meu caro amigo Archibaldo, que maravilha de texto e de experiência de vida!!
    Paciência, disciplina e serenidade...é logico q não engulo sapo nem mesmo com batatas fritas!rsrsrs

    Um abração enorme e sucesso na trajetoria!
    A liberdade ja aponta na esquina!

    Sergio Souto

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  2. Muito lindo o texto, muita bela a lição de vida aprendida com seu avô... Desde que te conheci sempre notei certos traços orientais mas achava indiscrição perguntar... O que acho mais bacana no espírito japonês é essa capacidade de converter sofrimento em trabalho, desgraça em superação, incrível como eles já reconstruíram quase todo país, não ficaram de braços cruzados ou se vitimizando, fazendo média com as autoridades internacionais... Deus nos livre mas acho que se tamanha desgraça acontecesse no Brasil ía ficar todo mundo totalmente à mercê das esmolas federais... Muito bacana vc partilhar sua historia de vida conosco. É sempre uma experiência ler seu blog. Abços.

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  3. Muito bom, Archibaldo. Curioso que esses dias mesmo eu pensava nisso. Muito se fala da força monstruosa da natureza, da suposta insignificância do homem diante de uma catástrofe dessa magnitude e tudo o mais... Entretanto, o que eu admirei mesmo não foi a "grandeza" da tragédia, mas justamente a força genuína dos japoneses, sua integridade e retidão ante a intempérie...

    Uns anunciam o fim dos tempos, insanamente veneram o "espírito da natureza" e sua "vingança" contra o "homem malvado". Tolice.
    Apenas começamos.

    Tenho os japoneses como exemplo ideal da grandeza humana. Minha verdadeira adoração é por aquele ser único que foi capaz de criar e tranformar: o homem.

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  4. Parabéns pelo texto Archibaldo. Continuo acessando o seu blog.
    Um abraço fraternal,
    Edvaldo Souza

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  5. Olá Arquibaldo,
    Belo texto. Comungo contigo admiração por outros povos, além dos japoneses os Finlandeses e Sul Coreanos pelos resultados na Educação seja ela moral ou didática. Uma vez um professor me falou que isso também é porque eles já passaram por várias guerras, tendo que plantar no quintal para ter o que comer por isso qualquer cidadão lá, dá valor a qualquer coisa a qualquer gesto, daí uma tradição secular até para tomar um chá. O respeito pelos mais velhos, saber ouvi-los e dialogar com eles sem palavras de baixo calão são “procedimentos” que um dia teremos que ter aqui no Brasil.
    Nesse link abaixo você verá que eu já chamava a atenção pra isso, dia 26/03.
    Abraço

    http://tarauacanoticias.blogspot.com/2011_03_01_archive.html

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  6. Caro amigo: Você honra seus ancestrais e, ao mesmo tempo, diariamente, nos dá exemplo da integridade, coragem, valentia e sabedoria que herdou deles para servir de exemplo a muitos que precisam aprender a ser gente.

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  7. Orgulho em fazer parte da família Kitazono!!!
    Na minha outra vida que eu tiver... quero continuar nessa maravilhosa familia... ainda que vivemos longe!!!
    Bjo e abraço grande do seu primo Dário Kitazono França....

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