terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre imprecisões verbais e fenômenos (paranormais?)

A interdição da ponte sobre o rio Caeté, em Sena Madureira, rende um debate filosófico. Sei que filosofia é o menor dos desejos dos moradores daquele município nesse momento de crise. Mas a mãe de todas as ciências pode explicar muitas coisas. Só não explicará, por certo, a condução do caso à paranormalidade, como parece preferir o governo do Acre. Mas vamos por partes para que o entendimento seja completo.

Nesta terça, o petista Ney Amorim e o tucano Mazinho Serafim ignoraram uma máxima de Voltaire e engataram, na Assembleia Legislativa, um debate xucro - e o adjetivo nada tem a ver com as razões da porfia, senão com o modo como ela se desenrolou. Voltaire, o filósofo francês, disse o seguinte: "Se você quiser conversar comigo, defina seus termos".

Antes de prosseguirmos é preciso explicar que a ponte do Caeté custou mais de 10 milhões de reais aos contribuintes. No dia da inauguração, os petralhas fizeram festa e brindaram os populares com os discursos ufanistas e a pirotecnia de sempre.

Voltemos aos deputados. Serafim acusou o governo de incompetência, o diretor do Deracre de ter dito que quem não tiver barco que trate de atravessar o rio a nado e o local, com a interdição, de ter virado um caos. É claro que o parlamentar tucano exagerou ao empregar essa última expressão. Pode haver, entre os moradores de Sena Madureira, aborrecimento, algum prejuízo e muito transtorno. Caos, não.

A contraparte petista no debate resolveu emprestar novo sentido à prosa adversária. E disse que caos haveria se a ponte houvesse caído. E que, assim, o colega tucano mentia porque ela ainda está de pé. Ora, ora, dona Aurora, o deputado Ney Amorim certamente é conhecedor da dialética erística de Arthur Schopenhauer, autor de um livro chamado "Como vencer um debate sem precisar ter razão".

Razão o petista Ney Amorim está longe de ter, por isso, mais do que nunca, era preciso vencer o debate. E assim ele lançou mão de um dos ensinamentos do livro de Schopenhauer, a chamada "ampliação indevida", que consiste em levar a afirmação do adversário além de seus limites e exagerá-la. Serafim não disse que a ponte havia desmoronado, mas que lá reinava o caos. O caos, replicou Amorim, seria a obra ter caído, por isso atribuiu à afirmação adversária uma designação que ela passou a ter apenas a partir de sua interpretação sobre o que fora dito.

Bastava terem as partes seguido o conselho de Voltaire para que o trem semântico fosse recolocado nos trilhos do entendimento. Mas nem sempre a clareza é a melhor estratégia de quem faz a defesa do governo estadual. Na página deste último na internet, longe de admitir que houve erro na construção da ponte, optou-se por evocar uma "movimentação no solo" para justificar o problema. O texto prossegue dizendo que "a causa do fenômeno ainda não é conhecida, mas o laudo técnico será entregue o mais rápido possível pela equipe que está trabalhando no local".

Se o fenômeno for metafísico, o ex-deputado Marcos Afonso, líder de um grupo de afeiçoados à filosofia que se reúnem aos sábados na Biblioteca da Floresta, poderia ser chamado a dar seus palpites. Caso alguém desconfie de que a coisa está no âmbito da paranormalidade ou do espiritismo, aí é o caso de se apelar ao Padre Quevedo ou a Chico Xavier desencarnado.

Mas seja ou não deste mundo o fenômeno que causou o dano à ponte do rio Caeté, a solução certamente sairá, mais uma vez, do bolso do contribuinte.

Um comentário:

  1. Bem, esses conceitos de Voltaire certamente nenhum dos dois deputados tem a menor idéia. Amorim se os usou o fez por mero acaso. A incompetência dos "construtores de pontes" acreanos é sabida e notória, ninguém em sã consciência tem dúvidas disso, os deputados governistas defendem essas barbaridades, porque são pagos para isso.

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